O ano de 2023 foi marcado por uma queda de 3% na superfície de água em comparação ao ano anterior, conforme revelam os dados do MapBiomas. A situação mais alarmante ocorre no Pantanal, que testemunhou uma redução de 61% na sua cobertura de água em relação à média histórica desde 1985. O território brasileiro mostrou-se visivelmente mais árido no decorrer de 2023. Durante todos os meses do ano, inclusive na temporada de chuvas, houve uma diminuição na extensão de áreas aquáticas, como indicado por um estudo divulgado nesta quarta-feira (26/06) pela MapBiomas, uma organização composta por universidades, ONGs e empresas de tecnologia que monitora atentamente as mudanças na cobertura e no uso da terra.
A perda registrada no último ano equivale a 3% em relação a 2022, o que representa uma área de 5.700 km² de água evaporada – o equivalente a cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Desde o início da análise em 1985, tem-se observado uma tendência de declínio constante no país. Especificamente em 2023, a redução foi de 1,5% em relação à média histórica. Atualmente, a água cobre apenas 183.000 km² do território brasileiro, correspondendo a apenas 2% da área total.
“A tendência geral aponta para uma perda contínua de água. A explicação para esse cenário é multifacetada, envolvendo mudanças nos padrões de precipitação, aumento das temperaturas, verões mais longos e quentes, além de alterações no uso da terra”, explicou Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água, em entrevista à DW.
Extremos de Norte a Sul
Um dos aspectos mais preocupantes observados nos dados coletados foram os extremos climáticos de 2023. Na Amazônia, por exemplo, o ano começou com níveis de água acima da média histórica, mas meses depois enfrentou uma seca sem precedentes. O rio Negro, por exemplo, registrou os níveis mais baixos em 100 anos de monitoramento.
No extremo oposto do país, o Pampa experimentou seus quatro primeiros meses de 2023 como os mais secos já registrados. Em setembro, chuvas intensas no Sul resultaram em inundações que deixaram milhares de pessoas desabrigadas e dezenas de mortos. “As chuvas foram particularmente intensas nas áreas dentro do bioma da Mata Atlântica, mas a água acabou fluindo para o Pampa, aumentando sua disponibilidade”, observou Schirmbeck.
A prevalência de extremos climáticos induzidos pelas mudanças climáticas ficou clara ao longo do último ano, conforme analisou o pesquisador. “Há anos, os cientistas alertam que as mudanças climáticas intensificarão eventos extremos e sua frequência. Isso foi evidente nos extremos geográficos observados no Brasil”, comentou o coordenador da série de estudos do MapBiomas.
A crise no Pantanal
Proporcionalmente, o Pantanal foi o bioma mais afetado pela seca desde 1985. Em 2023, a área anual coberta por água registrou apenas 3.820 km², uma redução de 61% em relação à média histórica. Além da diminuição na área alagada, o tempo em que essas áreas permanecem submersas também diminuiu drasticamente.
“O Pantanal é uma das maiores áreas úmidas do mundo e está sob séria ameaça. A área anualmente alagada, que costumava se manter inundada por pelo menos seis meses, sofreu a maior redução desde 1985”, alertou Schirmbeck.
Quatro décadas atrás, o Pantanal apresentava mais de 65% de sua vegetação nativa preservada em suas margens. Hoje, esse número não ultrapassa os 40%. Muitas dessas áreas abrigam nascentes que são cruciais para o alagamento do terreno, mas estão cada vez mais ameaçadas pela expansão da fronteira agrícola.
Com a região cada vez mais seca, a temporada de incêndios florestais começou prematuramente este ano, testando ainda mais sua resiliência. Nas primeiras duas semanas de junho, os focos de calor aumentaram quase 700% em relação ao mesmo período de 2020, o ano que até então tinha registrado a pior crise de incêndios.
A maioria dos focos de incêndio está concentrada em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde também foi registrada a maior redução proporcional na superfície de água em 2023, com uma diminuição de 53% em comparação à média histórica.
Crescimento urbano versus natural
Enquanto isso, na Mata Atlântica, a área coberta por água cresceu, ficando 3% acima da média histórica. Várias regiões no bioma experimentaram níveis elevados de precipitação, resultando em inundações em áreas agrícolas e deslizamentos de terra.
No Cerrado e na Caatinga, a disponibilidade de água superficial também aumentou, em parte devido à construção de reservatórios e hidrelétricas ao longo dos anos. Atualmente, 23% de toda a água disponível no país está concentrada em estruturas de armazenamento construídas pelo homem – a maioria delas localizada na Mata Atlântica.
Por outro lado, a situação é bastante diferente quando se trata de corpos d’água naturais: sua superfície encolheu 30,8% em 2023 em comparação a 1985. Metade das bacias hidrográficas do país estava abaixo da média no ano passado.
“No Brasil, vemos um cenário de secamento dos ambientes naturais, enquanto há um aumento de superfície nos ambientes construídos pelo homem. Isso contraria as soluções recomendadas para a gestão da água em um contexto de mudanças climáticas”, observou Schirmbeck, referindo-se a abordagens baseadas na natureza, como cidades-esponja e preservação de áreas úmidas.
Essas estratégias permitem o armazenamento de água da chuva no solo, que gradualmente se infiltra nos rios. Elas também ajudam a mitigar enchentes nas grandes cidades, como as que ocorreram no final de abril e início de maio no Rio Grande do Sul.
De cientista a refugiado climático
Os dados do MapBiomas Água são baseados em imagens captadas pelo satélite Landsat 5, parte do programa da NASA e integrante de uma das redes de observação mais abrangentes da Terra. Embora as imagens do Landsat sejam capturadas desde a década de 1970 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a cobertura sistemática do território brasileiro começou em 1985.
Schirmbeck, que mora em Roca Sales, Rio Grande do Sul, foi obrigado a se refugiar em Belém, Pará, para concluir sua pesquisa sobre o cenário de 2023. Ele deixou sua cidade natal em 10 de maio, depois que enchentes recordes afetaram severamente sua família.
A casa construída em 1944, onde os pais do pesquisador moravam, foi inundada. O casal idoso precisou ser resgatado do telhado durante a madrugada. A residência onde Schirmbeck vivia com sua esposa e filha de cinco anos ficou isolada devido a um deslizamento de terra e perdeu o fornecimento de energia elétrica.
“Tornei-me um refugiado climático. Tudo o que estamos documentando serve como um alerta urgente para repensarmos nossa relação com o meio ambiente e darmos prioridade aos estudos científicos e dados na formulação de políticas públicas”.
refletiu Schirmbeck.