A Anvisa, responsável pela regulação sanitária no Brasil, deu início, em junho deste ano, a um conjunto de novas medidas destinadas a monitorar de perto o uso de remédios controlados e antibióticos. Essas ações surgem após um período de dois anos de falhas no sistema de vigilância, o que levantou preocupações sobre o consumo abusivo e desvios para o mercado ilegal.
O que ocorreu?
A partir de 1º de junho, a Anvisa iniciou testes para reinserir o monitoramento das vendas de remédios controlados e antibióticos pelas farmácias, embora inicialmente limitado a São Paulo e ao Distrito Federal. Este é apenas o primeiro passo de um processo que abrange aproximadamente um terço das farmácias no país. A participação das farmácias é voluntária neste estágio inicial, sem risco de punição por dados incorretos.
Historicamente, as farmácias privadas enviavam informações detalhadas ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), incluindo nome do medicamento, dados do prescritor e do paciente, além da data e local da compra. Esse sistema permitia uma análise abrangente do consumo de medicamentos em diferentes regiões do Brasil, facilitando também a detecção de atividades suspeitas.
A suspensão temporária do SNGPC, que começou em 2021 devido a problemas de estabilidade não especificados pela Anvisa, acabou se tornando uma interrupção prolongada, resultando em um vazio nas informações cruciais para o controle efetivo desses medicamentos. Este vazio persiste até hoje, totalizando mais de dois anos de ausência de dados confiáveis.
Além dos testes de monitoramento, a Anvisa publicou em 3 de junho uma nova norma que estabelece um sistema de rastreamento para receitas de medicamentos sujeitos a controle especial. Atualmente emitidas em formato físico, essas receitas poderão agora incluir uma numeração nacional de controle, simplificando sua autenticação através do sistema da Anvisa a partir de julho. A transição completa para o novo sistema está programada para janeiro de 2025.
Embora as receitas físicas ainda sejam necessárias, essa padronização é vista como um avanço crucial em direção às prescrições eletrônicas. No entanto, a validação continua a ser um desafio, especialmente nos fins de semana, quando muitas vigilâncias sanitárias municipais não operam plenamente.
“O retorno do SNGPC, mesmo em fase de testes, é recebido com grande expectativa. Esperamos que as mudanças propostas, como a obrigação de preenchimento correto dos tipos de medicamentos, tragam melhorias significativas”, comentou Adriano Falvo, diretor secretário-geral do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo.
Tatiana Ferreira, doutora em saúde pública pela Fiocruz, também destacou a importância das recentes medidas da Anvisa, sublinhando a necessidade de uma vigilância contínua para evitar abusos e desvios no uso desses medicamentos.
Riscos Associados à Falta de Vigilância
Os remédios controlados apresentam riscos significativos, como dependência e resistência. Globalmente, a resistência aos antibióticos representa uma ameaça crítica à saúde pública, enquanto o uso indiscriminado de opioides nos EUA resultou em milhares de mortes por overdose em 2021.
A ausência de monitoramento eficaz também aumenta o risco de venda no mercado paralelo e desvio para a produção de drogas ilícitas. Atualmente, as estratégias de controle dependem principalmente de visitas físicas às farmácias e de inspeções manuais de documentos, um método antiquado que se mostra insuficiente diante da escala do problema.
Embora as novas medidas da Anvisa representem um avanço, elas refletem uma adaptação às circunstâncias, já que o objetivo inicial de rastrear medicamentos da fábrica ao paciente ainda não se concretizou totalmente. O desafio técnico e legal persiste desde a legislação de 2009, que previa um sistema abrangente de rastreamento.
“É crucial que as autoridades sanitárias estejam cientes das características potencialmente perigosas desses medicamentos, incluindo seu potencial para dependência e desvio para uso indevido”, ressaltou um especialista não identificado.